O presidente do grupo parlamentar do PSD, Hugo Soares, acusou o PS de não querer reduzir tanto o IRS dos ordenados da classe média em comparação com o alívio fiscal que os socialistas propõem para patamares de mais baixos rendimentos. O deputado referia-se, em concreto, a salários entre 1.500 e 2.500 euros mensais líquidos, portanto, salários já depois do pagamento do imposto e das contribuições sociais. Será mesmo assim?
“O PS entende que quem ganha entre 1.500 a 2.500 euros líquidos, em Portugal é rico. Estamos a falar de professores, médicos, da classe media, trabalhadores independentes”, afirmou esta quarta-feira, no Parlamento, depois de os socialistas terem invocado o direito potestativo para forçarem o adiamento da discussão e votação da admissão do projeto de PSD e CDS (AD) que substitui a proposta de lei do Governo.
O texto de substituição da AD propõe reduzir a tributação até ao 8.º escalão, isto é, até 81.199 euros de rendimento coletável, o que corresponde a ordenados brutos até cerca de 6.500 euros ou de 3.700 euros líquidos, sem contar com o subsídio de refeição.
Já os socialistas querem baixar as taxas até ao 6.º patamar de rendimentos, ou seja, até 39.791 euros coletáveis, ou seja, até cerca de 3.000 euros brutos mensais ou 2.000 euros líquidos, mas com uma redução de taxa progressivamente inferior.
A frase
“Não vamos permitir que a classe média não tenha um alívio fiscal. O PS quer votar contra, que vote contra, assuma perante os portugueses que acha que quem ganha 1.500 a 2.500 euros líquidos não merece ter os impostos reduzidos como os outros”, afirmou, esta quarta-feira, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, no Parlamento.
Os factos
A última proposta que o PS enviou aos grupos parlamentares para negociar um texto comum mantém o teto da redução do imposto até ao 6º escalão de IRS, mas fez um esforço de aproximação à AD, baixando mais as taxas do 5.º e 6.º patamares de rendimentos.
Assim, e neste novo diploma, os socialistas comprometem-se a reduzir em 0,5 pontos percentuais (p.p.), face à proposta anterior, o 5.º escalão, que passará de uma taxa de 32,5% para 32%. Desta forma, o grupo parlamentar do PS iguala a proposta do PSD. Isto representa um alívio fiscal de três p.p. face à taxa, de 35%, de 2023.
Além disso, o partido liderado por Pedro Nuno Santos quer reduzir o imposto do 6.º escalão em mais 0,5 p.p., passando de uma taxa de 36%, que estava na proposta inicial do PS, para 35,5%. Neste ponto, o projeto do PSD é mais ambicioso, apontando para um alívio fiscal maior, ao sugerir uma taxa de 35%. Assim, os socialistas defendem uma redução de 1,5 p.p. face à taxa de 37% do ano passado, enquanto os sociais-democratas propõem uma descida maior, de 2 p.p..
Que rendimentos mensais líquidos estão aqui em causa? Os fiscalistas Luís Nascimento, da consultora Ilya, e João Espanha, da Broseta, fizeram as contas para o ECO. Na realidade, salários líquidos mensais entre 1.492 e 2.015 euros, sem contar com o subsídio de refeição, também terão um alívio fiscal caso seja aprovado o projeto dos socialistas. Ainda assim, e no que diz respeito a ordenados de cerca de 2.000 euros, a descida já terá um impacto claramente inferior, e cai no 7º escalão. Um salário mensal líquido de 2.500 do agregado familiar é, grosso modo, o valor base do 8º escalão, e ambos os escalões não têm qualquer redução de taxa.
Por exemplo, um trabalhador que aufira 2.116 euros brutos mensais terá um rendimento anual de 29.624 euros, o que corresponde a 25.520 euros de matéria coletável, depois de aplicada a dedução específica de 4.104 euros que abate aos ganhos anuais. Ou seja, este contribuinte está enquadrado no 5.º escalão de IRS, que vai de 21.321 a 27.146 euros. Se, às retribuições brutas anuais de 29.624 euros, descontarmos 5.477,43 euros para IRS e 3.258,64 euros para a Segurança Social, obtemos um ordenado líquido mensal (considerando 14 meses) de 1.492 euros. Se, a este valor, somarmos o subsídio de refeição, de seis euros por dia, que é o limite para a isenção do imposto caso seja pago por transferência bancária, o ordenado líquido poderá subir para 1.624 euros.
Assim, para rendimentos líquidos na ordem dos 1.500 a 1.600 euros mensais, tanto o projeto da AD como o do PS propõem uma redução da taxa de imposto de 3 pontos percentuais, que passará de 35% para 32%. Ou seja o alívio fiscal será igual quer seja aprovado o diploma da AD como o dos socialistas.
No caso de um ordenado bruto mensal de 3.080 euros, o rendimento anual será de 43.120 euros, o que corresponde a matéria coletável de 38.376,8 euros, já depois de terem sido deduzidos 4.743,2 euros, que, aqui, correspondem ao valor das contribuições sociais, porque são de montante superior à dedução específica de 4.104 euros. Ou seja, este trabalhador está no 6.º escalão, que vai de 27.156 a 39.791 euros anuais. Descontando 10.165,34 euros de IRS e 4.743,2 euros para a Segurança Social, este trabalhador tem um ordenado mensal líquido de 2.015 euros. Se somarmos o subsídio de refeição, de 132 euros, dá um vencimento de 2.147 euros.
Como o PS também propõe reduzir a taxa do 6.º escalão, para 35,50%, significa que salários líquidos de 2.000 euros também terão um alívio fiscal. De salientar, contudo, que o projeto da AD vai mais além na redução do imposto deste patamar de tributação, defendendo que a taxa deve baixar para 35%. Face à taxa de 2023, de 37%, o PS defende uma descida de 1,5 pontos e a AD de 2 pontos.
Certo é que rendimentos líquidos acima dos 2.000 ou 2.100 euros só terão uma maior redução do imposto na proposta da AD, que quer descer as taxas dos 7.º e 8.º escalões. Pelo contrário, o PS rejeita diminuir a tributação desses níveis remuneratórios. Ainda assim, é preciso não esquecer que, como o imposto é progressivo, mesmo não baixando o imposto do 7.º e 8.º escalões, os trabalhadores enquadrados nestes patamares beneficiam sempre do alívio fiscal dos escalões inferiores.
Então que salários líquidos estão abrangidos pelo 7.º e 8.º escalões? Por exemplo, um ordenado bruto mensal de 3.210,27 euros, que corresponde a um ganho anual 44.943,82 euros tem matéria tributável de 40.000 euros, depois de deduzidas as contribuições sociais, de 4.943,82 euros. Ou seja, este trabalhador está no 7.º escalão, que abarca rendimentos coletáveis entre 39.791 e 51.997 euros. Descontados 10.779,51 euros para IRS e 4.943,82 euros para a Segurança Social, temos um ordenado líquido mensal de 2.087 euros. Se contabilizarmos o subsídio de refeição, de 132 euros, aquele valor sobe para 2.219 euros.
No caso do 8º escalão, que vai de 51.997 euros a 81.199 euros anuais, estão rendimentos brutos mensais que podem atingir os 6.500 euros, o que dá um ganho, no conjunto do ano, de 91.000 euros e matéria tributável de 80.990 euros. Subtraindo a fatura de 29.045,06 euros para o IRS e de 10.010 euros para a Segurança Social, chegamos a um vencimento líquido mensal de 3.710 euros. Com o subsídio de refeição, dá 3.842 euros.
Prova dos 9
A afirmação do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, está parcialmente correta. É certo que o PS propõe baixar mais as taxas do 5.º do que do 6.º escalão, que abrangem salários líquidos mensais entre 1.500 e cerca de 2.200 euros.
Mas Hugo Soares refere que esse alívio fiscal não é tão substancial quando comparado com a redução do imposto dos “outros” escalões mais baixos. Por exemplo, no 2.º e 3.º escalões, a descida, proposta pelo PS, é de 4,5 pontos. No 4.º patamar de rendimentos, a diminuição é de 3,5 pontos. Já no 5.º e 6.º escalões, o alívio é menor: de 3 e 1,5 pontos, respetivamente.
Já em relação a ordenados líquidos de 2.500 euros, e que já estão enquadrados no 7.º escalão, é verdade que o PS não apresenta qualquer descida da taxa, que está nos 43,50%. Enquanto os sociais-democratas defendem uma redução de 0,50 pontos para 43%.
(Notícia atualizada com novos dados sobre os escalões de IRS e correspondência com salários líquidos mensais)